segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

16/11/2011

Vocês, mulheres.
Vocês que mandam no mundo.
Vocês que mandam na gente.
Vocês que geram a semente de tudo que tá aqui.
Vocês que embelezam tudo.
Vocês que são tudo que vale a pena.
Vocês, nossas pequenas.
Vocês que não deixam que pequenas seja sinônimo de pouco.
Vocês que são insanas.
Vocês que amam.
Vocês, sacanas.
Ai de vocês se não fossem mulheres.
Ai de vocês se não tivessem esses poderes.
Vocês mulheres que nos encanam.
Vocês que são outros seres.
Vocês com esse sorriso.
Vocês que brincam de amores.
Vocês, expulsas do paraiso.
Vocês que roubaram o paraíso pra vocês.
Vocês que são cama.
Vocês que são sonhos sem pudores.
Vocês, nossos terrores.
Vocês que não cabem em casas.
Vocês que voam sem asas.
Vocês, mulheres.
Vocês que não se entregam.
Vocês que se entregam e se recompõem.
Vocês, nossas mães.
Vocês, nossas confidentes.
Confidentes de outras outras.
Vocês que não sabem nada
do que pensam seus homens.
Vocês que reconhecem seu homem.
Vocês também primatas
de um biologia diferente.
Vocês são de outra parte.
Vocês são a outra parte,
a indecência e o decente.
Vocês que são deus de muita gente.
Vocês, mulheres,
por que de vocês somos tão diferentes?

sexta-feira, 16 de julho de 2010

terça-feira, 29 de junho de 2010

Palmares sem mar, livrai-nos de todos os mares.


Papel por todos os lados
-papéis molhados-
.
Era o borrão,
feito de suor e caneta.
Eram correções,
turvas opiniões.
A enchente,
o rio que a tinta faz no papel
- papéis molhados –
.
É lama que entra pela janela
e corrói a terra dos poetas.
Onde se perdem casas,
se perde o juízo,
e que dói os olhos
ao ver a mancha que se expande
-papéis molhados –
.
É o facão na mão,
que esconde o pai de família,
que corta a cana
e deveria também a nuvem.
Essa água que arrasa o trem do futuro
e trilha minhas idéias por não sei onde.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Hungria.

Alguém sabe como se diz filho da puta em húngaro?
Desde ontem eu queria saber. Que taxista filho da puta. Nós já levávamos uma noite e quase um dia andando de taxi pra cima e pra baixo sem nenhum problema. A comunicação era praticamente nula, mas ainda assim o roubo, se havia, deveria ser dentro do honrado. Nunca nos queixamos de estar pagando tanto mais assim. Contudo, combinemos. Turista é otário e carne de malandro, né. Pois o malandro apareceu. Gordinho, por desonrar a raça. Bonachão, parecia gente boa, esses são os piores. E lá vamos por Budapest. Uma Budapest que atiçou minhas retinas, com prédios grossos, descascados. Ressecados do vento sóbrio que assopra seus rostos cheios de janelas. Por um momento me pareceu curioso que após um dia inteiro sob um tempo desconfortável, a paisagem tinha me deixado bastante impressionado apesar de tudo.

Relembrando agora, tomar banho nas termas parecia uma missão difícil, um desejo surreal, mas dentro da piscina aquela meia hora que podia ficar ali até o próximo ônibus me pareceu pouco. Seguimos o passeio e me surpreendeu ver a cidade desde o alto do monte. A cidade inteira estava ali embaixo, dois lados unidos por umas linhas. Linda, cheia de brisa, charmosa. As pontes de Recife tinham dublês. Dublês européias com clima inverso. E o frio pede um chocolate. E minha mãe grita por um. Provamos um interessante, picante. E melhor, grátis. Começava intenso e terminava com um certo ardor, amargando o hálito.

Para cumprir o itinerário, resolvemos pegar um taxi com destino ao porto, onde uma excursão marítima nos faria passear pelo Danúbio reluzindo no barco o dourado que emanava da cidade com suas luzes foscas. Justo diante de um hotel bonito encontramos o taxi. Após uma indicação no mapa, apontando sistematicamente para o nome e numero do píer ao que nos destinávamos, o filho da puta colocou em marcha o automóvel.

Eu acompanhava com o rosto as ruas deixadas pra trás. E tentava achar o taxímetro quando voltava a pôr meus pensamentos dentro do carro. Beirávamos o rio, e se de um lado eu apreciava Buda, bem silenciosa, no retorno que tivemos que fazer após acabar a pista, me deparo com Pest rindo da minha cara ao ter que começar uma contagem decrescente em buscar da nossa embarcação. Com certeza ela previa a falta de escrúpulos daquele canalha húngaro. Renegaria sua mãe pátria aquele filho bastardo? Bastardo, bastardo. Como xingamento mesmo. Palavrão. Mais um pra eu ir atrás do relativo em húngaro. Ou será que a mãe da concepção original era realmente comunista até na cama? E o pai? Obviamente, estaria se contorcendo no túmulo, caso fosse comunista, ou quem sabe com o sorriso irônico das caveiras, se dissidente. Por imitar os “democracistas”, direi que ou vice-versa. Mas isso é o máximo que me atrevo a afirmar com algo de certeza. Do resto, quem saberá?

Pois minha carteira sabe. Encontramos nosso píer e o filho da puta pára o taxi e aperta um botãozinho que completa o taxímetro por inteiro. O máximo possível que o taxímetro poderia numerar. Algo assim como um 99999. Ou um 88888, 33333, ou qualquer maldito número que fosse. O fato é que o cara estava me roubando. Na minha cara, sem discrição. E ainda por cima mascarado com aquelas bochechas rosadas petulantes. Que roubo é esse, camarada? – lhe perguntei com o olhar. A cara dele de bem-vindo ao capitalismo do meu taxi falou por si mesmo. Ao ver minha mãe somente com os olhos fora do casaco implorando solução pro impasse antes do seu congelamento, da futura Era Glacial e etc., pechinchei com o filho da puta porém não insisti. A corrida tinha saído mais cara que a de todos os outros taxis que tínhamos entrado na cidade juntos. Não posso blasfemar contra a cidade pelo descuido de um dos seus cidadãos. Como brasileiro, não posso, não devo, nem o farei. Desse episódio, a cidade está isenta. Foi a mais bela absolvição de uma culpada.

Revoltado, entrei no barquinho. Praticamente fretado. Só estávamos nós: meu pai, minha mãe, eu e a raiva. Era o último passeio da noite. O sistema de áudio travou e no final das contas quem nos narrou o trajeto foi o som monótono e húngaro das águas geladas que se desfaziam em espumas ao abraçar o barco em seu movimento. Essas manchas brancas traçavam imensas pausas musicais de semibreves e mínimas segundo seu ir e vir, completando com silencio a partitura de nosso intenso dia.

domingo, 11 de abril de 2010

É mentira.

Mais uma vez.
É a única coisa que minha cabeça processa.
Mais uma vez, uma vez mais, outra vez.
Basta um descuido da verdade, apenas um, para derrubar varias palavras no chao e esvaziar, estraçalhar um copo cheio de ilusoes.
Meu dia comecou, meu dia terminou.
Quando foi que começamos a mentir pra mim mesmo?

sexta-feira, 5 de março de 2010

Folhas de prata

O desejo brota ao pôr os pés aqui. Sinto um manto acolchoado debaixo de mim. Um tapete de escritores. Uns mortos, outros nem tanto. Não importa. Eu, sim, vivo, estou aqui. Do calcanhar ao chapéu. Já sei que é frescura. O ar daqui não inspira mais ou inspira menos quem quer que seja. O desejo é meu, está em mim, não na cidade. Os fatos germinam em mim, não nessas ruas infinitas, que sem mim falariam de outras coisas. Mas agora mesmo, nesse papel aqui, nessa rua aqui, tudo é meu, tudo é pra mim, tudo é sobre mim.
- Seu moço, por favor, um café carregado de egoísmo intelectual bem quentinho.
Feito o pedido, sigo com meu plano. Roubo um pouco do idioma dito em lábios cada vez mais grossos e roxos. Estoco o roubo na minha cabeça. Ainda não é momento pra me atrever a colocá-lo no espaço em branco.
O café chega. O copinho d’água também. A conta, inevitavelmente, escolta a ambos.
E é engraçado ver como o garçom, ainda com a bandeja meio lotada, entrega o mesmo pedido ao meu vizinho de mesa, que nada mais olhar o papelzinho, solta uma gracinha sobre a conta. Talvez seja moda entre os franceses. Talvez moda entre os turistas com suas poucas palavras corretas. O que sei é que possivelmente existiria um extenso catálogo de piadinhas e suas devidas respostas, se um bom funcionário as fosse guardando, acumulando durante sua profissão.
Deixo de bisbilhotar os pensamentos alheios e volto aos meus, ou melhor, aos da rua. Abro o saquinho e o açúcar começa a nevar sobre o caldo escuro da taça. Em um único sorvo, queimo minha língua e encho de pragas estrangeiras a cadeira vazia que me acompanha nesse quase meio dia. Sinto a dormência na língua. Raspo-a com meus dentes e ela segue sem vida por alguns segundos. Uma motorista que passa nesse momento faz cara feia achando que me insinuo a sua feminilidade latente. Eu não ligo. Finjo que escrevo ou falo sozinho e discretamente recuo minha língua a sua cova habitual dentro da minha cara. Como se de um veneno se tratara, aquele café, quentíssimo e não quentinho, deixa em mim a sensação de que meus lábios estão tão grossos e roxos como os que vejo na rua. Só esqueceram de encaixar neles o idioma que me falta. Quem sabe o tragam futuramente, se me torno um cliente da casa.
Paro de pensar nessas besteiras e brado para mim mesmo. - Não me conformo. Não me conformo com esse branco. Não me conformo com esse branco no papel. Assim sendo, começo a rabiscá-lo com frases que recolhi jogadas nessa mesma rua. Gostaria de adubar cada uma de suas letras, ver suas hastes crescerem, engrossarem e quem sabe florescerem em P’s, E’s e F’s, por citar algumas espécies primaveris. Espero que se tornem adultas, ganhem um corpo razoável, como mínimo, legível. Rego-as com meu primeiro olhar. Só assim minha cabeça concebe o que é escrever bem.
Observo que na beira do rio daqui, há outro rio de cor verde amarelado, desbotado pela estação. Talvez seja a bandeira do meu país, triste por não ter outono de verdade que representar. Uma inveja besta, porém propícia, certa e cheia de razão. Percebo também que na beira das ruas não existe calçadas. São outras ruas que fenecem, caídas das árvores ao pavimento cinza. Uma mudança de pantone discreta.
Meu olhar se perde. Sinto-os vidrados, como só um bebedor de café consegue deixar.
Surge em mim uma vontade de entregar esse papel cheio de rabiscos a primeira dama que passe, e elas são muitas, talvez trazidas pelo vento, como as folhas. Ou quem sabe sejam elas, no seu passar, que dão inicio a toda corrente de ar, a todo movimento. Solto um riso tão besta quanto minha idéia. Dou-me conta de outro disparate e penso no parentesco entre essas folhas que caem e a folha onde escrevo. Retomo o raciocínio. Decido pegar um pouco de boêmia por empréstimo e a exponho ao dia e seu sol tímido. Essa mistura se transforma em melancolia, mas acho que isso é culpa minha. Culpa das minhas palavras ríspidas, dos acontecimentos de uma hora atrás, quando vi essa folha transparente no rosto do meu pai, essa lágrima que não descia, que não caía, e que por sua vez, fez com que as minhas se oferecessem ao sacrifício, suicidando-se num salto desde meus olhos. Logo ele, meu pai, aquele que sempre honrou os seus. Aquele que continua agüentando muitos outonos e intempéries (sejam metafóricos, sejam literais). Reflito. Penso outra vez. Penso na orelha da minha mãe, cansada de ouvir meus segredos. Penso nela. No ser, na mulher, no meu útero. Na orelha que resiste, não sem antes perder algo no caminho. E assim foi. Perdemos uma manhã e um brinco. Um só. Só pra dar raiva. Um pra ela, outra de souvenir para a cidade. Brinco de prata, em forma de folha, que se confunde com outras folhas na rua. A cidade que, durante essa manhã, mudou, ficou borrada, impressionista, por conta da minha raiva, da minha incompreensão, minha juventude, minhas lágrimas.
Sigo meu destino. Ante meus olhos, seus olhos. O da cidade. Ela que exibe o brinco da minha mãe, antes de virar a cara e me dar às costas, informando que é hora de partir, se perder rumo a outras fronteiras, outro idioma, novos alfabetos com raízes não latinas. Meu café esfria, a colher gira e gera novos redemoinhos, de água, borra, leite, ruas e damas. E eu no meio, no olho. E ante meus olhos, seus olhos, os das minhas palavras, meu espelho, meu olho de vidro.

Paris, 12 de outubro de 2009.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Deseuforia.

A gente morre assim
Um pouquinho cada dia
Do nosso jeitinho
A gente só sabe gritar sim
Para qualquer carinho
Ou para um amor que nos feria
Já não olho o relógio
E só tenho vinte e algos
Ainda que quase não me dei conta
Os meus planos já estao afónicos
Agora é trabalho, é a conta no banco
É o saldo positivo
Gracas a Deus
- e a mim –
Mas que não me diz muita coisa
Nada é mais tão legal
Nada diverte tanto
Tanta coisa – e gente - mudou para pior
O corpo já não é igual
O cansaço não parece meu
- nem dos meus -
A saúde parece que vai mal
E muitas pessoas me dizem adeus
Minhas frases já não levam pontuação
Cada um que nao entenda como quiser
Já não tem bem entender
Nem bom humor
Sabe lá o que é bem-me-quer
Quem nunca esqueceu de crescer
Mas enquanto isso
Eu deixei de correr
Parece que puxei mais ao meu pai
- sabendo que ele já correu muito -
Engatei um freio de mão urgente
Antes de colidir com o que seja
Talvez por medo
Talvez a genética
Talvez por tantos talvez
A gente já saiu de catálogo
Empoeiramos na estante
E desde muito tempo
Desde quando ainda era menino
Eu sempre quis fazer um poema em vão
Um princípio de soneto às avessas.
Um poema a fundo perdido
Anacrônico.